sexta-feira, 26 de junho de 2009

eu em puto ficava hipnotizado quando o michael jackson aparecia na televisão

uma vez ia dar um concerto do michael jackson e eu via a apresentação daquilo e andei ali uma semana à espera, depois no dia não pude ver e foi coisa frustrante do mais frustrante que podia haver (ainda que eu desconhecesse a palavra frustrante)

não me lembro do thriller nem do bad mas lembro-me do dangerous e do HIStory e do video do scream

a dada altura parecia piroso gostar do michael jackson, não era cool, eu gostava e gosto de muita coisa que ele fez

eu defendia o michael jackson quando alguém o ridicularizava

sempre achei que ele era uma alma boa

morreu o michael jackson

terça-feira, 12 de maio de 2009

crescem nós dentro da gente

(quando eu andava na escola primária:)

- minha senhora

(era assim que chamávamos a professora)

- minha senhora, a gente inda não passou os deveres.

- agente é da polícia

(dizia a professora)

- a gente não se diz, é nós

(a gente se fosse agora dizia-lhe assim:

- minha senhora, nós é numa corda se respeitarmos a grafia da palavra, se não também pode ser fruto seco).

segunda-feira, 11 de maio de 2009

a gente às vezes havia de ser uma águia

refere o bill callahan no seu mais recente álbum (sometimes i wish we were an eagle) uma situação em que há demasiados pássaros numa árvore, de maneira que um último pássaro já não tem lá espaço onde poisar e acaba por ter de dormir em cima de uma pedra.

há muita gente de expressar coisas que gosta de pássaros e os usa como símbolo ou metáfora de sentires humanos, há também quem os feche numa gaiola para os ter. eu gosto deles à solta, ali a voar com a ciência que a natureza lhes deu de superar a gravidade.

se a gente fosse um pássaro era tramado andar aí a voar e não ter onde aterrar, mas por outro lado às vezes está-se bem numa pedra, mesmo que pareça desprotegida e fria, dá espaço à nossa vida de pássaro voador para pausar um bocadinho na solidão e deixar as tremuras do corpo abanar a cabeça (a ver se as penas velhas se misturam com outras novas e a gente ganha novo fôlego para levantar voo).

sexta-feira, 8 de maio de 2009

unhas de gato

por causa disto das gripes a ministra da saúde tem falado muito. sempre que ela aparece há qualquer coisa que me incomoda no ouvi-la mas tive dificuldade em perceber o que era. finalmente dei-me conta de que a senhora desafina a falar (compreendo agora que se pode desafinar a falar). e faz uma impressão como aquele chiar de um giz num quadro ou das unhas de um gato num vidro.

há mais pessoas que sofrem disto (por exemplo, a maria de belém roseira, a manuela ferreira leite, o carlos castro também desafina muito).

é desejável que a questão das gripes se resolva, por um lado pela saúde pública e por outro (apesar de aparentemente menos importante) para que a senhora ministra não surja tantas vezes na comunicação social a raspar unhas de gato nos ouvidos da gente.

terça-feira, 28 de abril de 2009

não, agora à séria

ontem estava a dar aquele programa na televisão em que o diogo infante trata de corrigir, com a ajuda de um especialista, os erros mais comuns da língua portuguesa (o que se corrige na verdade é a maneira como a língua é usada (e o que vale a língua além da sua utilização?)).

ora uma das observações dizia respeito a um slogan publicitário onde aparecia a expressão "à séria", corrigindo-a para "a sério".

eu por mim sou um defensor da expressão que se dizia errada (e da certa também, cada uma na sua função). parece-me que uma coisa à séria é enfática e ao mesmo tempo contém aquele toque de brincadeira que lhe alivia o peso sem lhe tirar seriedade.

há erros (se for aceitável falar de erros quando se aborda um organismo mutável como um sistema de linguagem) que causam ruído na comunicação, há outros que lhe ampliam as possibilidades.

a gente ao falar precisa de salpicos na linguagem, de contornar a matemática implícita (a própria matemática da língua se irá transformando naquilo que se fizer dela).

quarta-feira, 22 de abril de 2009

see you around fiodor

uma vez o dostoievski escreveu um livro que em português se traduziu por crime e castigo. segundo os registos, escreveu-o até por mais do que uma vez, ou andou a escrevê-lo por várias. o nome do livro denuncia escarrapachadamente do que se trata, não há surpresa quando o leitor se vai apercebendo do tema fulcral. o mundo familiarizou-se com essa obra mas não se sabe ao certo quantas pessoas a leram. eu na minha ideia era giro que fossem muitas.

acontece que no fim de contas andou-se ali a acompanhar um personagem e aquilo conduz-nos a coisas que são de a gente ser gente humana, das boas e das outras que arrepiam o pensá-las.

disse que se acompanha ali um personagem. reformulo, acompanha-se principalmente o interior, a psique, em tudo o que ela tem de racional conjugado com o que lá anda de aparentemente incontrolável, o consciente, o inconsciente, as várias maneiras por que um pensamento, uma ideia ou um sentimento se processam. já toda a gente disse sobre a genialidade do dostoievski, faz parte dos cânones reconhecê-lo.

as maiorias não têm razão nem deixam de ter, visto que as opiniões das maiorias não se fundamentam em observações e reflexões acerca da coisa em que recaem mas em outras opiniões. já essas outras opiniões podem ser fundamentadas em reflexão e observação, em pura manipulação ou em coisas difíceis de determinar. de uma ou de outra maneira, as opiniões das maiorias não são muito de fiar devido à falta de rigor e de solidez que normalmente acarretam, embora às vezes lá coincidam com coisas que podem conter alguma solidez e rigor.

resumindo, ninguém se atreve a dizer mal do dostoievsky por causa disso dos cânones (ainda que a maioria da maioria que diz que sim senhoras nunca lhe tenha lido uma frase). eu, que evito maiorias, vejo-me por linhas travessas agregado a elas algumas vezes. não sei dizer se a minha opinião sobre o dostoievsky e o crime e castigo seria a mesma se nunca tivesse ouvido falar dele mas estou convencido de que seria difícil algo em mim não vergar de admiração, é que aquilo é uma coisa de uma humanidade, de uma riqueza, de um entendimento, de uma inteligência (poderia continuar: subtileza, elegância, requinte e por aí fora) que é quase crime não ser lido (como muitas outras coisas que eu nunca li e nunca lerei, o meu castigo é não saber o que perdi).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

dos braços das mães da gente

a gente por vezes era um medo de ficar sozinhos. por causa que o mundo era um lugar grande e desorientava (ao menos nas presenças dos outros sempre há um aconchego e os corpos parecem mais leves).

as noites escuras somavam-se ao tamanho do mundo quando nos aninhávamos para dormir. ninguém nos ensinava a saber estar sozinhos, e cresceu-se assim com coisas de medos dentro do pensá-las, a vida fez-se-nos de formas que não contávamos e ninguém nos tinha ensinado isso.

às vezes apetece-nos encolher e não ter vergonha de dizer (porque em crianças a gente não temos essas vergonhas, diziamos assim): tenho medo (e uns braços grandes (talvez maiores que o mundo, provavelmente maiores) agarravam-nos e aquilo era ali um conforto tão quentinho e seguro). um dia a gente ainda havemos de saber dizer outra vez disso e uns braços às nossas voltas.